Viga mestra do Centro Excrursionista Guanabara. Mãe dos guanabarenses. Creio que o vigor e a alegria contagiante deste clube vem da energia e vibração que esta mulher transmite. Uma mulher extraordinária pelo incrível astral! Felizes nós, que temos sua alegria.
Conheçam esta grande mulher!

 

Nasceu em qual cidade?
Sou carioca da gema: Rio de Janeiro, na época, Distrito Federal.

Profissão?
Aposentada mas, desde 2000, trabalho como  “guia de turismo” cadastrada no Ministério do Turismo, antiga EMBRATUR, p/Guia Regional (RJ), Excursão Nacional – Brasil/América do Sul.
Atualmente trabalho para 5 agências de turismo do RJ (3 na Zona Sul/2 na Zona Norte) e com pessoas da “3ª idade”.

Idade?
72 anos  (26/11/1937).

Quanto tempo de montanha?
Ao redor de só 20 anos (apesar do Guanabara já estar com
51) porque nesse período faleceram minha cunhada (maio/1973 – tambem sócia do CEG e que conheceu meu irmão, Sionil, no Clube, no tempo do Jiló), meu Pai (fevereiro/1975), minha Mãe (dezembro/1979). Portanto, os anos 70 foram bastante complicados pra mim. Depois, quando a gente para, é difícil para voltar porque falta principalmente preparo físico, depois hipertensão, artrose, artite e problemas no joelho…  rs rs
E no período de 1973/1979, assumi a educação de meus dois sobrinhos (com 5 e 4 anos) até que meu irmão constituisse nova família e levasse os filhos. Também meu  afastamento do CEG deu-se a trabalhar o dia todo em SantaTereza, tomar conta de 2 crianças, babá e empregada, um apartamento enorme na Tijuca, onde residíamos todos (2 crianças + 6 adultos) e meus pais também já bastantes doentes…  Participava, às vezes, de alguma reunião de 5ª feira, festas, ou outras comemorações.

Como foi que começou a ir para as montanhas?
Após uma Semana Santa em um Hotel Fazenda perto de Paraíba do Sul-RJ (março/1958), junto com primos e amigos, conhecemos outros rapazes, também hóspedes e residentes no Rio; então, caminhamos bastante por alí, subindos as montanhas dos arredores. Quando voltamos para o Rio, combinamos uma ida ao Pico do Papagaio do Grajaú (Perdido do Andaraí), já que a maioria morava no Grajaú e também porque meu irmão conhecia o caminho para o Pico pois já havia ido lá várias vezes com os amigos da rua. Sionil, com 18 anos, guiou-nos nessa atividade no dia 1º de maio de 1958.
Meu irmão servia a Aeronáutica (Campo dos Afonsos-Sta,Cruz) e mostrou a colegas algumas fotos nossas (havia no grupo dele escoteiros), que perguntaram se nós também gostaríamos de conhecer outros lugares interessantes no Rio, como por exemplo a Floresta da Tijuca.
Inicialmente fomos ao Pico da Tijuca, à Pedra da Gávea (junho/58); Pedra do Sino (julho/58); Parque Nacional de Itatiaia (Cabana dos Caçadores-Véu da Noiva), quando nasceu o Jiló (outubro/58).

 


Jiló – Foto: Arquivo pessoal

 

Então…O Centro Excursionista Guanabara que se chamava Jiló….Porque?
Uma pequena rusga surgida com 4 rapazes (Milden, Manoel, Sionil, José Luiz F.) e 3 moças (eu, Rachel, Rizza) dentre as 10 pessoas que foram a 1ª vez à Itatiaia (out.58). Após uma noite de intensa chuva, saímos para passeios sendo que, de repente, os rapazes deixaram a estrada e desceram rápido para fazer xixi; nós, as 3 mulheres, para acompanhá-los, caímos muito, nos sujamos todas, ralamos mãos e dedos, as alpargatas que usávamos estavam cheias de lama e deslizávamos caminho abaixo, entre árvores e pedras, já que não conhecíamos o lugar. No final, quando reencontramos  os rapazes, reclamamos bastante, mas o guia do passeio (o chefe de escoteiros Milden Rodrigues de Sta Rosa), disse-nos mais ou menos isso:  “Voces mulheres agora querem se igualar aos homens, ganharam o direito ao voto, querem trabalhar na mesma área profissional, usam calça comprida e no excursionismo querem também escalar e até guiar, o que é um absurdo. Portanto, fiquem cientes, aqui neste grupo não haverá diferenciações entre homens e mulheres, será dureza pura, não tem brincadeira, é sério, será amargo como jiló!
Se desejam ir adiante, sem reclamações, então estamos conversados…” Achamos graça na brincadeira e quando voltamos de Itatiaia já nos denominávamos de o  “GRUPO DO JILÓ”, e isso até fev./1959, quando fundamos o Clube e passamos a nos denominar como  GRUPO EXCURSIONISTA JILÓ. Em out./1959, em Assembléia Geral, para podermos registrar a instituição como entidade jurídica, trocamos o nome para Centro Excursionista Guanabara – C.E.G..

Naquela época haviam muitas mulheres?
Todos os outros clubes tinham um número bastante reduzido de mulheres e o nosso não era diferente. Durante quase 5 anos, escaladoras do Jiló/CEG eram somente 4.
Em Itatiaia (out/1958), éramos 4 mulheres + 6 homens. O carnaval, também em Itatiaia – Chalé dos Escoteiros, quando fomos às Prateleiras (fev./1959), eram 35 pessoas: 10 mulheres e 25 homens. Desse último passeio é que surgiu a idéia de fundar um clube de excursionismo.

O que significa o Guanabara para você?
Significou e significa muito. Tudo, um início de vida adulta -anos 60- adorável, encantador; fizemos maravilhosas amizades que duram até hoje e que durarão para sempre. Conhecemos lugares e paisagens inesquecíveis como também tivemos momentos inigualáveis. O contato com a natureza, a vida livre e tranquila das montanhas, não tem preço. Tenho muito a agradecer a Deus por essa oportunidade. Ganhei um sobrinho maravilhoso, 2ª geração do CEG (o outro, mais novo, faleceu em um acidente, aos 16 anos, em 1985). Agora, tenho uma sobrinha-neta (3ª geração), linda, maravilhosa a quem eu amo de paixão, Fernanda, com 8 anos e meio.

Quem te inspira no montanhismo?
Conhecemos Apolonia Clara Helena Roemer Campello (casada com Harald Friedrich, ambos sócios do CERJ), no início do CEG, anos 60, quando ainda estávamos engatinhando, mal o Clube havia sido fundado. Ela, já bastante adulta, com mais de 40 anos, bem mais velha do que nós que tínhamos pouco mais de 20 anos, nos inspirou em suas atividades, principalmente por ser uma pessoa maravilhosa, sensacional e exímia excursionista. Tomávamos como parâmetro suas atividades montanhísticas.

O que acha, ao ver tanta mulher escalando?
Acho sensacional; antes, éramos um pouco discriminadas. Haviam guias que não aceitavam mulher em suas atividades, principalmente em escalada. Sempre achavam que nunca estávamos preparadas, que éramos dengosas e que iríamos atrapalhar; até para acampar era problema.
Puro machismo…

E na sua opinião, o que evoluiu no esporte e o que não evoluiu?
Tudo evoluiu: Começamos escalando com alpargata roda, com corda de sisal, com material inservível q adquiríamos, através de conhecimento, nas cantinas da aeronáutica e/ou do exército, como bota cardada, barraca de campanha, saco de dormir, mochila cantil etc…
Não havia acesso a material importado, era caro e difícil.
Não haviam lojas, nem comércio, de material para atividade de montanha.
O companheirismo também evoluiu bastante, já que alguns clubes excursionistas, na época, não gostavam de entrosamento com os iniciantes que eram despreparados…

 


Escalada à fantasia (década de 50/60) – Foto: Arquivo pessoal

 

E esta fama de festeiro, do Guanabara, tem fundamento? 🙂
Sim, tem bastante fundamento. É uma história meio comprida, mas vejamos se dá para simplificar; aproveite o que achar melhor.
Em meados de 1958, meu pai comprou um móvel moderno, uma eletrola para 6 long-plays que tocavam 6 músicas de cada lado. Inicialmente nos reuníamos na Pracinha do Grajaú, no domingo ou sábado seguinte aos passeios, para marcarmos nova atividade e trocarmos fotos. Depois íamos de bonde para a cidade e dali para Ipanema, Praça. Gal.Osório, onde havia um bar que servia pizza, originária de São Paulo (que ainda não havia se fixado no RJ). Também tomávamos “cuba libre”, sem problemas, já que no grupo haviam alguns amigos/as com pouco mais de 16 anos.
Era 25 de dezembro de 1958, chovia muito e o “Grupo do Jiló” havia combinado um encontro na Pracinha e, depois, Ipanema. Eu e meu Irmão (Sionil), estávamos em casa nos arrumando quando meu pai nos chamou e disse: “Está chovendo, já falei com sua Mãe; sobraram guloseimas da noite de Natal aqui em casa, ontem, com a família da sua mãe. Encontrem o pessoal e tragam aqui pra casa; o grupo gosta de dançar e vai ter muita música para se divertir. Vamos fazer jarras de “groselha” (que depois, viemos a chamar de “morfético” já que não era um refresco muito gostoso) e vai dar uma boa noitada; voces vão se divertir bastante”. Naquela época, não era normal usar bebida alcoólica em casa; isso era coisa de bar ou de botequim e, também porque mulher quase não consumia bebida alcoólica.
Bem, o grupo entrou em nossa casa naquela tarde e alí ficou por cerca de10 anos: era Sede do Grajaú. Também em todas as nossas atividades, de mais de 1 dia, papai levava um rádio portátil, maior que um tijolo, e sempre arranjávamos um local onde pudéssemos dançar, e isso com as músicas do momento: Metais em Brasa, Beatles, Rock, Waldir Calmon, Nat King Cole, Elvis Presley, Frank Sinatra etc…  O número de sócias ainda era bem inferior ao de sócios, daí iniciaram-se os namoros para que, eles, pelo menos, tivessem parceira para o baile. Qualquer dos sócios/as que tivesse a comemorar algum evento em família, era motivo para convidar a toda a turma e fazer um bailezinho… Todo último sábado do mês havia comemoração de aniversariantes na Sede e, como morávamos em casa, os bailes iam até 3/4h. Nossas atividades eram bastante diversificadas: caminhada, escalada, acampamento em praia, teatro, cinema, bailes etc…
Quando compramos a Sede, no Centro da Cidade, como o edifício era comercial, tínhamos permissão para fazer festas na cobertura, aos sábados/domingos. Mas, nos anos 80, o pessoal extrapolou e o Condomínio proibiu qualquer tipo de atividade nossa em fins de semana. Daí em diante, todas as reuniões na Sede têm de terminar às 22h.
Festas, festas e festas, seja na Sede e/ou em qualquer outro lugar, temáticas ou não, convidando, desde então, os amigos de outros clubes excursionistas, tudo sempre foi motivo pros guanabarinos festejarem e, daí, o GUANABARA FICOU CONHECIDO COMO O CLUBE DE MONTANHA MAIS FESTEIRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

Gostaria de deixar uma mensagem para as mulheres?
Como mulheres, conseguimos muita coisa, muita mesmo, em todos os sentidos, mas precisamos, acima de tudo, ter responsabilidade e profissionalismo.
A montanha vai estar lá, sempre …

 


Verruga do Frade / Serra dos Órgãos – Foto: Arquivo pessoal

 

Entrevista concedida ao Site Mulheres na Montanha

Feita por  Rosane Camargo