Batman Nunca Mais / Salinas – Foto: Cris J
Conheci Patty no meu CBM. Imediatamente me admirei com aquela menina, cheia de energia e que só pensava em escalar…escalar… e escalar. Aprendi muita coisa com esta menina, que hoje é uma grande mulher e grande montanhista!
Conheçam esta geóloga, que não poderia ter outro trabalho, pois é doida por pedra!
Está com quantos anos?
33 anos
Quando e como começou a escalar?
Fiz o CBM no CERJ, curso de guia no CEB e posteriormente entrei para o Carioca, onde estou até hoje, mas na verdade me sinto totalmente interclubes. Comecei o montanhismo aos 17 anos. Fazia caminhadas com o projeto “Conhecendo o Rio à Pé” da RioTur e o Caliano incentivava muito a galera a começar a escalar.
Através da Geologia, viajou por diversas cidades brasileiras…tem algum estado que falta conhecer?
Viajar por aí sempre foi meu sonho e a Geologia me trouxe isso.
Ainda na graduação tive a oportunidade de conhecer bastante do Nordeste, Minas Gerais e Paraná. Viajávamos durante dias em um ônibus bem velho, que apelidamos de “sacolão”, algumas vezes dormíamos no chão do ônibus ou em rede que armávamos no interior do mesmo e foi assim chegamos certa vez à Serra da Capivara no Piauí. São inumeros os “causos” de noites na estrada, ônibus quebrado no meio de lugar nenhum, enfim pequenos perrengues que eram motivo para muita diversão.
As viagens de trabalho seguiram com um pouco mais de conforto, afinal já podia pegar até avião! Mas nem sempre as acomodações eram muito melhores, dependia muito do buraco, ops… cidade onde eu ficava. Os perrengues de ônibus velho deram lugar ao desafio de aprender a dirigir sozinha, em cidades estranhas. Em Cuiabá tremi de medo ao dirigir os primeiros dois kilometros da minha vida, madruguei para evitar o trânsito em Salvador quando me vi obrigada a pegar a rodovia até Feira de Santana, no Acre consegui um corajoso co-piloto para chegar à fronteira com a Bolívia, no Pará criei coragem e fui conhecer sozinha a ilha do Marajó, subindo a serra de Petrópolis aprendi que não se deve usar a quinta marcha e quando voltei viva da viagem de carro Rio-Goiânia-Rio assumi que já tinha superado essa etapa!
Nestas pesquisas de campo, algumas cidades possuem montanhas. Dava algum jeitinho de ir escalar?
Durante a faculdade era difícil conciliar geologia e escalada, pois viajávamos em um grupo grande, sempre com horários bem definidos para a visitação dos afloramentos. Depois de formada começaram as solitárias viagens de trabalho que felizmente consegui conciliar com algumas escaladinhas. Foi nessa época que tive a oportunidade de passar uma semana santa escalando em Serra Caiada – RN com a galerinha gente boa nordeste, conhecer a Pedra da Boca e os points de Campina Grande na Paraíba, bater uma chapeleta no então recém descoberto point de escaladas em Brejo de Madre de Deus, repetir a conquista do André Ilha na Pedra da Galinha Choca em Quixada, escalar a via Evolução com Tiago Ferrer no Pedrão de Pedralva, conhecer os Cânios de Furnas em MG, passar um intenso domingo com a turminha de Goiás que tira vias e muita diversão de suas pedreiras, passear pela Chapada dos Veadeiros e até bater o primeiro grampo em uma pedreira abandonada de Cuiabá com o amigo Chico que depois me contou que conquistou algumas vias no local.
Você acabou de chegar da Europa, morando na Alemanha…ficou quanto tempo por lá?
Sim, morei em Mainz por seis meses. Três alegres meses de verão e três tediosos meses de inverno. Com os amigos montanhistas, Aninha, Rafa, Priscila e Tita, escalei, pedalei, esquiei por diferentes cidades do sul da Alemanha. Mainz não é exatamente a cidade mais interessante da Alemanha, mas serviu como bom ponto de partida para viagens pela europa, a maioria delas não teve o objetivo de escalar e sim conhecer países próximos, como França, Luxemburgo, Bruxelas, Italia, Suíça e Tailândia. Ok, esse último não fica exatamente perto, mas quando se está em um frio de menos cinco graus é muito difícil negar o convite de um amigo que mora em uma ilha onde é verão o ano inteiro.
E escalou por onde na europa? qual foi o lugar mais fascinante?
Sem dúvida Chamonix, onde encontrei com minha amiga Ester Binsztok. Foram apenas quatro dias, mas muito intensos. Fomos tomadas por todo aquele clima!
Fomos ao Refúgio “Albert 1er”, visitamos a “Aiguille du Midi” e por fim partimos para o “Mer de Glace”. A idéia era entrar em um glaciar fácil e com 3 horas e meia de caminhada estaríamos no o refúgio “Envers des Aiguilles”. Mas não foi bem assim que aconteceu. Na época fiz um relato da história, que segue abaixo:
“Segunda-feira, às 8:30hs da manhã, estávamos as duas já estavam no primeiro trem para Montenvers, ponto de partida. Para alcançar o glaciar é preciso descer intermináveis escadas de aço, eu chutaria aqui uns 300 metros…. e lá estávamos nós… no meio do glaciar! Maravilhadas, felizes, animadas! Resolvemos sentar e curtir o visual antes de começar a caminhada de fato. E ali ficamos por quase uma hora. Era cedo, tínhamos tempo e o caminho era tranquilo…
Colocamos os crampons e em meio a um monte de palhaçadas, começamos a caminhada pelo glaciar fácil e fomos assim, curtindo, caminhando, tirando fotos, filmando…
A primeira rampinha no glaciar foi um barato! Que maravilha de lugar!
Logo apareceu uma segunda rampa, um pouco maior e com algumas gretas, mas não nos pareceu assustador. Fomos andando calmamente, tirando foto das gretas, até que resolvemos partir para as morainas, porque o caminho no glaciar tinha começado a ficar estranho!
Avistamos o refúgio, bem alto e ainda distante, eu chutei cerca de 2 horas de distância, a Ester achou que era mais, resolvemos parar pra comer e descansar.
Tiramos os crampons e depois de cerca de 1 hora se equilibrando nas pedras soltas, resolvemos voltar pro glaciar que já estava mais plano e com menos gretas. Avançamos bem e vimos a marca branca na pedra que indica a subida pro refúgio. A água estava acabando, mas já estávamos bem perto e teria água no refúgio.
Fomos nos aproximando da rocha e lentamente foi ficando mais difícil… mais difícil…até que percebemos que não poderíamos chegar pelas pedras soltas! Voltamos para dar a volta, nas gretas, que agora estavam começando a assustar. Cheguei em um ponto onde eu realmente não queria passar. Olhei no relógio. 4 horas da tarde. Havíamos demorado o dia todo pra chegar até ali… não era seguro tentar voltar.
A Ester me deu segurança de um bloco no meio do glaciar, e desci a greta que me levava até a parede. A Ester passou a frente e pegou a corda fixa na parede que nos levaria até às escadas de aço. O pior parecia ter passado quando percebemos que não havia escada. Havia uma corda fixa, os pontos de fixação para uma escada que não existia e um abismo diretamente para as gretas do glaciar! Pegamos a corda novamente.
Não tínhamos costura e a Ester usou o cordelete para melhorar a segurança. Agora tínhamos certeza que algo estava errado. Talvez tivesse outro caminho e aquele fosse um caminho abandonado.
Alcançamos as escadas e seguimos em silêncio. Após 1 hora de subida entre cabos e escadas de aço a Ester gritou: – “ tá aberto!”. Havíamos chegado ao refúgio…. “Requin”!? Estávamos no refúgio errado!! Olhamos na direção de onde viemos e vimos o refúgio “Envers des Aiguilles” umas três horas pra trás!
Eram 17:30hs e antes que escurecesse, saímos em busca da água.
O refúgio tinha cama, colchão, cobertor, travesseiro e até alguma comida!
E nenhum sinal de vida!
Cozinhamos nosso macarrão e tentamos relaxar!
O lugar é aluciante e sentíamos um misto de medo e satisfação. Não queríamos ter chegado tão longe, havíamos saído para uma caminhada tranquila!
Deitamos. Mas não dormimos.
Às 5.30hs da manhã levantamos e fomos pro lado de fora… esperar a primeira luz da manhã. Ficamos ali sentadas. Caladas. Por duas horas. Até que o dia começou a clarear e o calor da manhã nos deu ânimo novamente. Começamos a descida lentamente, com atenção, observando o glaciar de cima para reconhecer o melhor caminho de volta. Tentamos seguir ao máximo o mesmo caminho que havia sido feito na ida, para evitar surpresas.
Com calma, mas sem parar o passo, alcançamos o inicio do glaciar novamente após cinco horas de caminhada.
Era meio dia. Paramos para cozinhar uma merecida sopa e curtir o sol, antes de pegar os cabos de aço de volta para ‘Montenvers.”
Mer de Glace/Chamonix – Foto: Ester Binsztok e Erva do Diabo/Lenheiro – Foto: Rafael Rossi
Sobre as conquistas…O que te motivou a conquistar?
Acho que foi uma evolução natural, bati meu primeiro grampo no curso de guia do CEB, depois alguns convites do amigo Pedro Bugim para ajudar em algumas vias.
Até que um dia, tive a oportunidade de repetir os primeiros 200 metros da via em conquista do Miguel Monteza e Guilherme Fonseca (Piu-Piu) no Escalavrado.
Me apaixonei pela rota, que até então eles chamavam apenas de Imenso Monolito, e pedi para participar da conquista também. Daí surgiu a fase de gostar de conquistar.
Durante a conquista da Xenólitos Perdidos no Imenso Monolito (Escalavrado), vocês devem ter passado por diversas situações…pode contar alguma história? Chegaram a bivacar na parede, não foi?
Sim. Bivacamos. Foram exatas 14hs de chuva, presos em um grampo cerca de 500 metros da base, dividindo um saco de bivaque com Miguel e um pequenino platô, enquanto o Piu-Piu tentava se abrigar no vento, em pé, com água até os joelhos, em uma fenda que ele encontrou um pouco fora da linha da via.
Na verdade tínhamos plena noção de que iria chover naquele feriado, só não achamos que choveria tanto….rs…foi uma escolha do grupo, tínhamos poucos feriados para terminar a conquista e estávamos muito pilhados.
Nesta via, na Monolito, tem um lance que você conquistou, aonde muito marmanjo não conseguiu fazer e desceu…Me diga, como foi conquistar este lance numa parede tão imponente e tão exposto?
Eu não tinha a menor noção de que ele era tão grande, nem tão difícil, nem tão exposto. Foi o primeiro grampo que bati na via, apenas não queria estragar o belo trabalho que os meninos estavam fazendo.
Estava um pouco preocupada com isso, vi um trecho fácil e pensei, até ali eu vou, então tinha uma fenda aonde protegi com uns camalot’s, não via muita opção para subir mais, então o Piu-Piu me encorajou: “Vc acabou de protejer com móveis, isso foi a mesma coisa que bater um grampo, agora vc já está conquistando o seu segundo lance”. Diante disso, continuei.
Me lembro que achei muuuuuuiiiito difícil, mas não tinha mais o que fazer, mirei uma pequena laca podre e coloquei uma proteção muuuuuuiiiito ruim, fiquei ali, meio no móvel, meio me segurando em um pequeno e único cristal no meio da parede e puxando a furadeira com muito cuidado. Bati o grampo e pensei: “Esse lance deve ser muito fácil e eu aqui com todo esse medo, sou mesmo uma “mulézinha”!”
A ignorância é uma benção!
Quais planos para este ano? Vai ficar pelo Brasil?
Noites dessas sonhei que eu estava sozinha em casa, olhava um muro de escalada branquinho, pouco uso, poucas agarras, apenas uma via que eu já me cansava de repetir. Chamei então alguns amigos de montanha e a casa logo se encheu de alegria. Uns escalavam repetidamente aquela única via, outros bebiam, todos riam muito. Nesta hora então, me lembrei que no alto do armário, esquecidas há tempo, havia um saco cheio de agarras. Desci com elas e a galera prontamente começou a preencher o muro de agarras, vias e muita alegria.
Esse sonho tem muito a ver com meu momento atual de curtir os amigos de montanha, aqueles muito antigos e também os novos que estão sempre chegando.
Me criei neste ambiente de montanha, amizade, companheirismo e solidariedade e isso me motiva. Me sinto um pouquinho filha, um pouquinho irmã, um pouco mãe, um pouco tia ou aquela prima distante, uns moram perto, outros abrem suas portas em países estranhos, mas definitivamente, me sinto em família. Esse é meu plano atual, apenas cultivar isso.
Entrevista concedida ao Site Mulheres na Montanha
Feita por Rosane Camargo