Via Urbanóide – Cantagalo – Foto:  Márcio Bortolusso

 

Cris é uma das escaladoras mais elegantes que conheço. Escala de forma linda como poucas, e faz um lance difícil como se estivesse bebendo uma taça de vinho!
Confesso que sou uma grande admiradora desta mulher!

 

Cris, você nasceu aqui no Rio?
Sim, mas pouca gente sabe que sou fruto do casamento de uma sergipana com um gaúcho, uma mistura e tanto!


Está com quantos anos?

Pode pular essa? Sei lá, é só porque fico me sentindo no meio da revista Caras…


Qual sua profissão?

Sou analista de sistemas e trabalho nesta área já há bastante tempo. Sim, é uma profissão estressante, mas a escalada me ajuda muito até mesmo nisso.
Quando estou na montanha, consigo concentrar toda minha atenção na escalada que estou fazendo e acabo varrendo da minha mente todas as preocupações e ansiedades que estiverem por ali. Depois sempre volto revigorada!


Quando e como surgiu a escalada na sua vida?

Entrei para o curso básico apenas pra desviar meus pensamentos de um coração partido e não tinha a menor pretensão de “engrenar” no esporte…
Mas, já no curso descobri que aquela atividade estava mexendo comigo, tava sendo diferente… No primeiro fim de semana, ligava pros meus amigos e dizia que tava toda dolorida, mas estava adorando! Que não ia sair à noite, pra acordar cedo pras aulas no dia seguinte e não parava de falar nisso… Foi mesmo como uma paixão à primeira vista, que dura até hoje!…
Houve épocas em que escalei mais, em outras escalei menos, já participei muito, depois quis guiar mais, então começaram as viagens, vieram os projetos e já tive até conquistas… Fiz muitos amigos também, amizades sólidas mesmo, como rocha…
Hoje, a escalada é um setor importante da minha vida, do qual não abro mão… Tanto a família, quanto um namorado e os amigos têm que aceitar essa paixão, que é parte da minha vida! A arte está em conciliar tudo isso!

 


Torres – Rio Grande do Sul – Foto: Orlei Jr. e Via Sólidas Ilusões / Capacete – Salinas – Foto: Filippo Croso

 


Você já foi diretora e também presidente do Clube Excursionista Carioca algumas vezes…Como é administrar de forma voluntária uma entidade ligada ao montanhismo?

Olha, isso de se envolver com uma entidade do montanhismo de forma voluntária acontece naturalmente. Pode parecer clichê, mas é por amor mesmo…
Depois de ir conhecendo o clube, a associação ou federação, você quer tanto que aquilo dê certo, que não vê problema algum em ceder algumas ou muitas horas livres do seu dia àquela entidade. O desânimo só chega quando você percebe que está sempre lidando com uma sociedade de pessoas, onde muitas vezes os egos se sobrepõem às questões essenciais… Mas descobri que é aí que estão os verdadeiros desafios e é também daí que vêm as maiores lições. Afinal, as pessoas têm percepções diferentes sobre as situações, e sempre se pode aprender alguma coisa, mesmo nos momentos mais improváveis.
Sei que no final fica um gostinho de “eu poderia ter feito melhor”, “podia ter me dedicado mais”, ou coisas desse tipo, mas o importante é saber a hora de se afastar um pouco e abrir caminho para que novas cabeças gerem novas idéias e até pra você mesma poder se renovar e mudar sua perspectiva…


Nestes seus 20 anos de escalada e sócia atuante num clube de montanhismo; de lá para cá você destacaria alguma mudança positiva no esporte?

A melhor delas é ver que hoje temos organização e somos representantes de uma comunidade com voz ativa. Graças ao duro trabalho que as federações e a confederação vêm fazendo ao longo desses últimos anos, conquistamos espaço para sermos consultados e respeitados em diversas questões que envolvem o montanhismo e que antes eram decididas sem a nossa participação.


E negativa?

A mais negativa que eu vejo são os acessos que vão se fechando, seja por medo da violência em algumas localidades, como pela construção de condomínios em outros…
Mas sei que há o Programa Acesso às Montanhas, uma iniciativa da Femerj para obter recursos e agregar pessoas para trabalhar em função da garantia dos acessos e da conservação de trilhas e acredito que por aí podemos minimizar este problema.


O Carioca é conhecido como um clube com destaque na escalada; de escaladores e escaladoras fortes e de grandes paredes…Você concorda com esta fama?

Não é bem uma fama, na verdade nossa história confirma isso. Acho que desde a época dos nossos fundadores, sempre fomos um grupo de vanguarda e naturalmente acabamos atraindo alguns dos membros mais ousados desse meio…
Mas não quero com isso desmerecer nenhum clube, pois sei que cada um tem sua importância na construção da história do montanhismo do Rio de Janeiro.
Na verdade, hoje em dia acabamos interagindo e tendo amizades em todos os clubes e é muito interessante quando nos encontramos nos eventos e há aquela troca tão saudável de experiências.

 


Via Arco da Velha – Pico Maior de Friburgo / Salinas – Foto: Adrian Giassone

 

Já te vi em situações delicadas…No veneno, nas quais elegantemente saiu muito bem delas…Tem algum segredo?
Segredo? Não, não tem segredo não… É lidar com cada situação da forma que ela se apresenta… Cada vez é diferente…
Houve uma época em que eu xingava muito quando tava escalando e achava que com isso ganhava força. Depois percebi que essa prática não tava sendo legal não, eu ficava muito injuriada quando não conseguia fazer uma coisa, e não é por aí…
Hoje, se não consigo naquele dia, volto pra casa e me preparo melhor pra voltar ali e tentar alcançar o que quero com delicadeza.
Tenho obtido muito mais êxitos assim, sem contar que não me sinto agredindo nada nem ninguém!
Não sou de ganhar nada no grito e me sinto mais completa assim… Aliás, esse é um sentimento que a escalada me passa muito, de me sentir completa.


Quer deixar algum recado pra mulherada?

Posso dizer uma coisa, que eu sei que é fundamental: respeitar sempre a montanha, pra ela te deixar ganhar espaço com ela. Nunca se sentir acima dela, ou no popular: “não deixar subir à cabeça”. A gente tem que se desafiar sim, mas por mais que você esteja escalando super bem, sempre precisa encarar uma empreitada mais complicada com o devido respeito, estudar a escalada, se preparar para ela e saber que as dificuldades continuarão existindo…

 

Entrevista concedida ao Site Mulheres na Montanha

Feita por  Rosane Camargo