No setor Corujas, na Pedra da Divisa em São Bento do Sapucaí -2010 – Vias muito esportivas e lindas

 

Janine sempre me chamou a atenção…pela beleza, simpatia, elegância e resultados merecidos pelo seu talento como escaladora. Mas de um tempo para cá, ela me fascinou pela energia que emana e pela bela conduta diante dos desafios. Me sinto honrada em apresentar esta mulher extraordinária.

 

Idade?
36 anos

Nasceu em que cidade?
São Paulo, SP

Profissão?

Jornalista

Quanto tempo de escalada?

Desde 1993

Como começou? O que te motivou a praticar este esporte?

Desde criança, desde os 5 anos de idade, meus tios e pais me levavam para fazer trilhas em Atibaia, onde passávamos os finais de semana em um sítio, e eu sempre me identifiquei com a prática de caminhadas, contato com a natureza, desafios e todo o universo que o montanhismo oferece.  Na verdade, eu sempre adorei praticar esportes, adorava volei também, fiz capoeira durante um tempo antes de conhecer a escalada, mas quando me lancei na escalada esportiva, não tive olhos para nenhum outro esporte mais…

Mesmo sempre apaixonada por trilhas, só fui conhecer a escalada com 19 anos, graças a meu irmão Alexandre que havia tido contato com a escalada na escola, em uma viagem de educação ao ar livre. Pratiquei na Pedra Grande,  em Atibaia pela primeira vez e  meu irmão achou que eu levava jeito, me levou pra conhecer a 90 graus, ginásio de escalada esportiva. Desde o primeiro mês, o Paulo Gil e a turma da época me incentivaram muito na prática e me pilharam para participar de um campeonato em 1994… Foi meu primeiro campeonato, com a Mônica Pranzl abrindo vias, a Rosita Belinky competindo também e desde então eu nunca mais parei… Gostei de tudo que um campeonato de escalada oferecia; desde o frio no barriga devido à pressão competitiva, do controle psicológico frente a uma via desconhecida, até o universo atlético inerente à escalada esportiva. Aí, viciei nessa mistura e fui curtindo mesclar  minha paixão pela prática na rocha com treinamentos e competição.

 


Foto1 –
Marbella, Espanha –  após muita dedicação nos treinos, 16ª colocada em etapa espanhola
da Copa do Mundo em 2006
Foto2 – Movimentação  fascinante  no Campeonato Latino Americano no Equador – 2010

 

Conta para nós sua trajetória…Quantos campeonatos, quantas vitórias… Você gosta de competir, não é?
Rsrsr… sinceramente,  eu não tenho ideia de quantos campeonatos participei, nem quantas vitórias, só sei que foi um caminho feliz de 16 anos competindo em quase todos os campeonatos nacionais, (competi até grávida de 3 meses em 2002) e voltei a competir após 1 mês e meio com minha filha a tira-colo… Competi em quase todos os paulistas e nos grande eventos abertos, e em competições anuais internacionais desde 1998… A maior parte desse caminho foi realizado com muita dedicação, diversão e paixão.
Acho que dá para resumir dizendo que sou hepta-campeã brasileira, sendo que alguns anos tiveram circuitos nacionais com várias  etapas, onde venci todas elas, outros anos  que perdi,também, mas mesmo assim, eu gostava de continuar competindo.

Na escalada, até hoje, considero a competição uma forma de superação pessoal. Eu penso que se uma pessoa saudável consegue chegar até um certo ponto, qualquer um pode chegar se tiver oportunidades de se dedicar, se tiver disciplina e principalmente paixão pelo que faz… E o mais importante, não se preocupar com exposição ou com que os outros podem pensar,  simplesmente estar feliz por estar realizando uma coisa que traz plenitude realmente. É uma ótima maneira de se preparar e lidar com as possíveis derrotas da vida….


Como você lida com a derrota? E a vitória?

Eu aceito a derrota bem, faz parte do aprendizado né!? Eu não penso muito na derrota. Normalmente visualizo minhas condições perante o desafio que eu me proponho e faço uma prospecção do que pode acontecer conforme meu preparo diante daquilo. Nada é de graça e se não estou preparada para algo, é provável que eu perca, mas isso não quer dizer que não possa tentar.
Admiro muitas escaladoras pelo mundo que vivem exclusivamente para a escalada, que podem viver isso e se entregam para essa paixão, colhendo frutos de ‘vitórias’ no cenário mundial.
A vitória é sempre uma conquista que normalmente vem após algumas derrotas, seguidas de perserverança. Eu tento fazer o meu melhor conforme as circunstâncias que a vida me apresenta, e se nesse contexto, não houver vitória, seja lá o que isso signifca, mesmo assim, eu me sinto feliz por ter tido a oportunidade de realizar o meu melhor.
Por algumas vezes, o medo vem, mas a coragem está em controlar e dominar o medo, o que de certa forma já é uma vítória, certo?

 


Foto 1 –
Grávida de 8 meses – 2003
Foto 2
– Levando a Manu para conhecer a PEDRA GRANDE – em Atibaia, primeiro lugar que escalei há 17 anos,
onde costumava fazer trilhas e ver praticantes de asa delta

 

Como tem sido conciliar a maternidade com a escalada?
Sou bem disciplinada com treinos, aprendi o que funciona com meu corpo, já errei no início treinando demais sem metodologia e fui pesquisando e trocando idéia com escaladores do mundo sobre treinamento… Isso foi facilitando minha vida para estabelecer algumas horas de treino por dia na academia, enquanto minha filha estava na natação, na escola, com ajuda da família, mas sempre com bastante esforço e correria, sem dúvida.

Minha filha hoje admira quando eu chego no topo da parede, se orgulha dos meus troféus, aos poucos vai entendendo o que cada um significa para mim, pois todos foram conquistados com muita dedicação, abrindo mão de outras coisinhas e pequenos prazeres da vida. Sendo assim,  ela cada vez mais entende o que a escalada significa para mim e às vezes me acompanha também.

Por um período da minha vida, fiquei bem fechada em escalada indoor, justamente pela facilidade que era conciliar maternidade com a prática no ginásio, possibilitando uma escalada mais vapt-vupt..  Às vezes, me  virava nos trinta para organizar uma escalada na rocha, e levar alguém para ficar com ela durante o dia, coisas de rotina de mãe né, e assim, fui levando como toda mãe que também luta para manter hobbies para dar mais força principalmente na hora de encarar os desafios da maternidade.   Nas viagens para o exterior, sempre contei com a ajuda absurda das avós e isso sem dúvida fez e faz enorme diferença até hoje.

Desde cedo, aprendi que não adiantava eu me sentir culpada ou achar que eu estava ausente, ou rótulos como esse que nós mesmas tendemos a nos colocar, afinal, estamos todos buscando a realização… Acredito que a maternidade seja uma das coisas mais marcantes, intensas e valiosas da minha vida, experiência que agradeço a Deus por ter a oportunidade de viver, mas, após minhas experiências com o montanhismo, sei que sou uma pessoa que não conseguiria viver feliz unicamente em função de filhos, por isso, organizo minha vida para conseguir administrar esses dois amores, maternidade e escalada, com disciplina.

Atualmente, levo a minha filha para a rocha comigo pelo menos uma vez por mês e ela me acompanha super bem. Nesse quesito, a prática da escalada esportiva também facilita, uma vez que é tranquilo deixar as crianças na base da falésia, dá para curtir passeios com as crianças pelos arredores da pedra no intervalo de cada via… É bem gostoso. Por  algumas vezes, deixo de escalar em rocha para realizar outras atividades com ela, mas confesso que ficar na cidade no final de semana não é o que mais me deixa plena. Eu adoro colocar o pé na estrada, carregar as pessoas que eu amo comigo, escalar e estar nas montanhas com eles, viver um final de semana de escalada, mais simplicidade e paz, e voltar pela estrada com minha cria cansada dormindo no banco de trás após tudo isso.


E seus treinamentos, como é a sua rotina? E a alimentação?

Quando estou treinando firme, meus treinamentos são realizados no final do dia, normalmente das 5 às 7 e meia da noite de forma bem concentrada, com intervalos cronometrados entre travessias, vias, boulders ou treinos em fingerboard.  Já fiz muitos testes de treino e cheguei à conclusão que rendo melhor treinando no máximo dois dias seguidos. Já treinei 3 dias seguidos, seguindo planilha, mas achei lesivo e desgastante demais, a ponto de sofrer muito no treinamento e baixar resistência, comprometer o resto da minha vida como trabalho, vida social, família, então, fui buscando o meu equilíbrio.  E continuo buscando sempre, afinal, a vida não pára né!

Nesse último ano, venho tentando manter um treinamento de escalada de 4 a 5 vezes por semana, normalmente cerca de 2 horas de treinos de escalada na 2ª,  3ª e 5ª feira indoor, e sábado e domingo, na rocha.  Se eu tenho um dia de escalada em rocha muito intenso no domingo, eu descanso na 2ª ou faço um treino rápido de campus board e corrida. Os treinos mudam conforme minhas necessidades e ciclos, envolvendo fases de resistência, força-resistência e força pura… E fases de descanso também, super importante. Costumo correr 2 vezes por semana, por cerca de 40 minutos.

Desde que escalo, eu cuido da minha alimentação, já que não dá para negar que leveza é fundamental para performance esportiva. E não adianta não comer, ou comer errado. À curto prazo dá para enganar comendo pouco sem se preocupar com a qualidade, mas à longo prazo, o corpo não aguenta.

Fui aprendendo e me interessando cada vez mais sobre alimentação saudável e natural. Já tive fases de sucos energéticos feitos em casa pela manhã, com cenoura, gengibre, maçã, laranja na centrífuga, e batidas desse tipo… Já experimentei fases de não comer carne nenhuma, nem peixe (hoje, só como peixe, nem frango nem carne vermelha) e fui sempre experimentando e vendo o que funcionava melhor para que eu me sentisse mais forte e com energia para a vida.

Não como em grandes quantidades, sempre em porções pequenas, de 3 em 3 horas, nem que seja um biscoito natural, uma maçã, um salgado, etc… Meu pecado, se é que se pode dizer isso, é pão de queijo… Amo!

Um amigo meu costuma dizer que eu não como, eu me nutro, e acabei tendo que concordar… Apesar de ter muito gosto por alguns pratos da cozinha contemporânea em geral, de curtir temperos e especiarias, na maior parte da minha rotina eu como por necessidade, prestando atenção no preparo e no que eu como.

Não sou de comer doces, açúcares, bolachas etc… Normalmente como muita salada, com um pedaço pequeno de proteína que costuma ser peixe fresco no forno, atum enlatado, ou ovo, combinado a algum carboidrato, como pão ou arroz ou um pouco de massa.
Vivo muito bem com o mínimo possível de frituras.

 


Foto 1 – Conheci a Falésia de Ceuse na França após minha 1ª oportunidade
de participação na Copa do Mundo em 1999
Foto 2 – Conheci as escaladas de Arco na Itália, após uma participação em uma etapa da Copa do Mundo em 2007

 

E patrocínio?
Meus patrocinadores são:
The North Face Brasilwww.thenorthface.com.br
Casa de Pedra – ginásio de escalada esportiva – www.casadepedra.com.br

 

Hipertensão….Como foi que aconteceu, você se inscreveu ou foi convidada?
A produção  do programa me viu escalando na Casa de Pedra e me convidou.


Voltando para as montanhas…O que a escalada significa para você?

A escalada é a minha terapia, minha principal paixão. É um caminho que eu achei florido e pleno demais, que envolve todas as suas particularidades, seja o ballet na parede, a força, momentos de instrospecção e concentração que eu tanto prezo,  que foi crescendo para oportunidade de viagens e contato com pessoas maravilhosas pelo mundo. Na verdade, só de estar na rocha ao lado de escaladores, acompanhando outros apaixonados, eu já me sinto mais viva. Gosto de ver outras pessoas que assim como eu são apaixonadas pela escalada, sendo que muitos também misturam esse tesão pelo montanhismo à uma ambição esportiva praticada com respeito e dignidade.


Projetos para o ano que vem?

Trabalhar e continuar escalando, cuidando de mim e de minha filha com equilíbrio e paz, vivendo cada momento com intensidade, entrega e naturalidade, sempre com muita gana e  paixão, deixando a vida me levar e fazendo minha parte no que tiver que ser.


Gostaria de deixar uma mensagem para a mulherada?
Que todas nós tenhamos força para seguir sempre um caminho que faça o coração pulsar mais forte, acreditando em nós mesmas, correndo atrás dessa verdade interior.

 

Entrevista concedida ao Site Mulheres na Montanha

Feita por  Rosane Camargo